Religião
é?
A
tradição teológica não nos proporciona muitos recursos quando desejamos
analisar as características objetivas que definem uma religião e a diferenciam
de outros tipos de crenças, ideologias ou grupos sociais.
Para
esse fim necessitamos de usar conceitos e bases modernas que nos permitam
fornecer um ponto de vista científico sobre o fenômeno religioso, mas sem
esquecer que se trata de uma experiência espiritual íntima e individual e que,
como tal, escapa aos argumentos comummente usados por outras ciências sociais.
Religião
é “(...) definida (do Latim re-ligare: unir ou re-unir)
como uma comunidade de pessoas unidas por uma fé, uma prática ou forma de
culto, a religião em si mesma também pode ser assim considerada. Naturalmente,
esta comunidade deve estar unida por uma busca de «o divino» e ser definida
pela sua maneira de enfrentar os problemas da vida humana. É por isso que na
história das religiões muito se diz sobre a experiência e contato pessoal com
«o sagrado».” Essa predisposição de mediar, ir em busca do ser divino,
tornar-se medium é o mesmo (...) “conceito elevado da dignidade do indivíduo, o
conhecimento e reconhecimento de algo chamado «sagrado» não são exclusivamente
dos Cristãos, mas são sim a essência de todas as religiões. Isto foi
reconhecido pelo próprio Concílio Vaticano II no seu documento Dignitatis
Humanae respeitante à fé e pureza religiosas.”
Bem
sabemos que o conceito de religião perpassa a experiência física e individual
de cada ser humano. Ser um meio, ou estabelecer uma religação com o sagrado é
pré-requisito fundamental de existência de uma religião. É evidente que dentro
deste contexto vários credos são estabelecidos como regras que norteiam a
prática individual dessa experiência. Mas religião como uma micro-organização
social e espiritual pressupõe regras mais abrangentes e gerais que sirvam a
todos e para além da individualidade e subjetividade de seus participantes.
É
com base nessas regras mais objetivas que a religião dar norte aos seus adeptos
de como proceder e alcançar patamares de evolução pessoal, espiritual e
institucional no próprio contexto do grupo. Um médium já não entra na Umbanda,
por exemplo, assumindo altas responsabilidades de zelo pelo sagrado sem está
devidamente preparado e reconhecido pelos entes sagrados e pelos seus mentores
de casa. Existe um longo caminho e percurso a trilhar na evolução
mediúnica dentro do terreiro, a exemplo do Ilê Axé Xangô da Pedra Preta
(ILEXPP).
Como
bem salienta (Prandi, 2004Prandi, R. (2004) (...) “antes de
ser Babalorixá, é preciso que o médium seja um filho de santo e que, após
a realização da obrigação de sete anos de feitura, conste nos jogos de búzios
(ou qualquer outro meio utilizado para se comunicar com as divindades) se é ou
não a missão do filho de santo em questão iniciar seu próprio terreiro.
Reservadas as distinções presentes entre Candomblé e Umbanda, ambas coadunam
nesse processo evolutivo do médium para se chegar aos patamares de
responsabilidades perante o sagrado. Ou seja, é preciso que este médium
vivencie, estude e aprendam com seus mentores espirituais, com seus zeladores de
santo e irmandade de terreiro para um dia chegar a um cargo-missão de ser um
dirigente espiritual de terreiro.
Consequentemente,
devido a várias influências, não existe um centro exatamente idêntico a outro
(Prandi, 2004). Cada centro funciona de uma forma específica, sendo distintas
as maneiras como, por exemplo, são realizadas a feitura de santo, os ebós,
as festas e oferendas às divindades, as giras, dentre outros aspectos, uma vez
que todos esses elementos se referem a um microssistema específico. As
distinções existentes estão relacionadas com o processo de desenvolvimento dos
médiuns do terreiro, fazendo com que alguns elementos do macrossistema sejam
alterados ou adaptados em função das necessidades do microssistema.
O
terreiro se compara a um microssistema social aonde se cria ou se reproduz
regras de convívio entre as pessoas que dele faz parte, sendo a pessoa do santo
ou não, e nesse espaço os espíritos e entidades sagradas como encantados e
orixás se manifestam para dinamizar a ritualização dos cultos, prestar-lhes
auxílios emocionais, curas e ou conforto. Entretanto, muitas vezes,
quando essa mediunidade se manifesta em outros microssistemas, ou ainda, quando
ocorre em um momento descontextualizado, acaba gerando estranheza e desconforto
em muitos adeptos.
Isto,
quando o médium manifestante, traz consigo mau comportamento e faz mau uso dos
seus dons mediúnicos num terreiro estável e equilibrado acaba por contrariar as
regras ali presentes naquele espaço sagrado e desvirtuando a atenção dos demais
perante ao seu mau comportamento ou desequilíbrio espiritual. A tendência é que
se este no ato de humildade for passiva ao auxílio dos demais sua conduta com
certeza será melhorada no sentido de voltar a ser equilibrado tanto emocional,
como no espiritual.
A
permanência no terreiro e a realização da feitura pode proporcionar uma mudança
na forma de como o médium se relaciona em outros microssistemas, tais como a
família, o trabalho, a escola, dentre outros microcontextos. Os preceitos
religiosos que devem ser mantidos em equilíbrio e em disciplina pelo médium e
essa conduta acaba por interferir diretamente nas mudanças percebidas, uma vez
que o médium deixa de frequentar certos ambientes, aprende a se moldar frente
as diversas ocasiões de transtornos, torna-se mais forte às adversidades e com
isso melhorar no convívio social.
Para
os médiuns, o período de reclusão para a feitura se mostra mais fácil de
enfrentar quando comparado à realização dos preceitos em pleno convívio com a
sociedade, em virtude dos preconceitos, discriminação, ofensas, insultos e
manifestações de intolerância dos demais.
Logo,
por mais que o desenvolvimento mediúnico e o convívio social possam acarretar
algumas repercussões negativas na vida do sujeito, deve-se ressaltar que,
quando o médium passa por um processo de desenvolvimento (nesse caso,
biopsicológico), ele acaba por contribuir, por meio dos processos proximais,
com o desenvolvimento de indivíduos pertencentes a outros microssistemas com os
quais ele interage diretamente (Martins & Szymanski, 2004Martins, E. &
Szymanski, H. (2004). A abordagem ecológica de Urie Bronfenbrenner em estudos
com famílias. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 4(1), 63-77.).
Em
suma, a preparação de iniciação do médium traz na sua vida mudanças de paradigmas,
deixando para trás velhas práticas de comportamentais e assimilando novas
vivências. Esse comportamento evolutivo trás estranheza à aqueles que convivem
com mais proximidades do médium e que não se relaciona com a convivência do
sagrado no terreiro. Não é exagero que dentro do terreiro se estabelece a
reprodução de um laço de irmandade e fraterno, tal como existe no meio da
família biológica e ao mesmo tempo a conservação da política do bom convívio e
do respeito como existe no meio da sociedade. O terreiro é pôs um microssistema
sócio-afetivo aonde se estabelece regras de comportamentos afetivos, fé e
social.
Sendo,
pôs, um microssistema social e uma instituição ao mesmo passo, dentro do espaço
do terreiro há de se respeitar a hierarquia preexistente. Na umbanda ou no
candomblé a hierarquia superior é exercida pelos zeladores centrais do santo
que governa a casa, seguida pelas irmandades mais antigas da casa ou por suas
funções assumidas ao longo dos anos.
Sem
hierarquia não existe o culto. A hierarquia, ela serve para organizar, para
determinar as tarefas dentro do espaço sagrado. A hierarquia é um dos preceitos
mais importantes na casa de santo. Devemos ter respeito com os mais velhos de
santo e aos zeladores maiores, sem falar além do respeito a todos da irmandade,
se deve também ter respeito com as outras pessoas que não são do santo. A
hierarquia não existe dentro do terreiro para humilhar, ou para diminuir
ninguém. Ela existe para organizar o culto, para você saber diferenciar quem
que é o Pai ou a Mãe de Santo do terreiro, quem são os Ogans, os auxiliares,
quem são os irmãos mais velhos, os mais novos e assim sucessivamente. A
hierarquia no terreiro existe para organizar a casa.
O
iniciado deve “sujeitar-se” a regras e procedimentos rituais, a fim de que
possa ir aprendendo não apenas em termos da aquisição de conhecimentos, mas
também da possibilidade de manejar energias e aspectos que apenas o tempo e a
realização de rituais orientados por membros mais experientes podem
proporcionar.
Na
umbanda ou em qualquer outra religião de matriz africana não existe pressa para
se aprender com o sagrado. Tudo ocorre no seu devido tempo, assim como as
comemorações. O terreiro frequentemente acaba indo na contramão do ritmo atual
da vida, acelerado e hiperativo como vigente na sociedade capitalista, no qual
se busca a melhor otimização do tempo, o que acaba sendo sinônimo para
maximizar ganhos de produtividade e rendimentos.
Dessa
forma, ao adentrar num terreiro de umbanda, o médium precisa deixar todas as
suas preocupações e novidades do mundo do lado de fora, para entrar focado e
preparado para aquilo que está por vir. Para impedir que os problemas e
transtornos enfrentados no dia a dia comprometam a conexão com as divindades ou
interfiram negativamente durante a incorporação, os médiuns costumam rezar,
acender uma vela para o orixá, além de se submeterem a um banho de ervas para
purificar o corpo. Todo esse cuidado é necessário, além de ser realizado por
todos, geralmente o médium fica de preceito um dia antes sem contato
sexual, sem comer carne vermelha no dia que incorporar, justamente porque no
dia do culto o Orixá poderá se manifestar, o médium deve está preparado e mais
puro para estabelecer ligação espiritual com o seu orixá.
Assim
é o médium umbandista no ILEXPP!
Registros do Culto de Iniciação de Médiuns no ILEXPP: