sábado, 5 de março de 2022

INICIAÇÃO DO MÉDIUM UMBANDISTA NO ILÊ AXÉ XANGÔ DA PEDRA PRETA (PONTO DE CULTURA ILEXPP)

 Religião é? 

A tradição teológica não nos proporciona muitos recursos quando desejamos analisar as características objetivas que definem uma religião e a diferenciam de outros tipos de crenças, ideologias ou grupos sociais.

Para esse fim necessitamos de usar conceitos e bases modernas que nos permitam fornecer um ponto de vista científico sobre o fenômeno religioso, mas sem esquecer que se trata de uma experiência espiritual íntima e individual e que, como tal, escapa aos argumentos comummente usados por outras ciências sociais.

Religião é “(...) definida (do Latim re-ligare: unir ou re-unir) como uma comunidade de pessoas unidas por uma fé, uma prática ou forma de culto, a religião em si mesma também pode ser assim considerada. Naturalmente, esta comunidade deve estar unida por uma busca de «o divino» e ser definida pela sua maneira de enfrentar os problemas da vida humana. É por isso que na história das religiões muito se diz sobre a experiência e contato pessoal com «o sagrado».”  Essa predisposição de mediar, ir em busca do ser divino, tornar-se medium é o mesmo (...) “conceito elevado da dignidade do indivíduo, o conhecimento e reconhecimento de algo chamado «sagrado» não são exclusivamente dos Cristãos, mas são sim a essência de todas as religiões. Isto foi reconhecido pelo próprio Concílio Vaticano II no seu documento Dignitatis Humanae respeitante à fé e pureza religiosas.”

Bem sabemos que o conceito de religião perpassa a experiência física e individual de cada ser humano. Ser um meio, ou estabelecer uma religação com o sagrado é pré-requisito fundamental de existência de uma religião. É evidente que dentro deste contexto vários credos são estabelecidos como regras que norteiam a prática individual dessa experiência. Mas religião como uma micro-organização social e espiritual pressupõe regras mais abrangentes e gerais que sirvam a todos e para além da individualidade e subjetividade de seus participantes.

É com base nessas regras mais objetivas que a religião dar norte aos seus adeptos de como proceder e alcançar patamares de evolução pessoal, espiritual e institucional no próprio contexto do grupo. Um médium já não entra na Umbanda, por exemplo, assumindo altas responsabilidades de zelo pelo sagrado sem está devidamente preparado e reconhecido pelos entes sagrados e pelos seus mentores de casa.  Existe um longo caminho e percurso a trilhar na evolução mediúnica dentro do terreiro, a exemplo do Ilê Axé Xangô da Pedra Preta (ILEXPP).

Como bem salienta (Prandi, 2004Prandi, R. (2004)  (...) “antes de ser Babalorixá, é preciso que o médium seja um filho de santo e que, após a realização da obrigação de sete anos de feitura, conste nos jogos de búzios (ou qualquer outro meio utilizado para se comunicar com as divindades) se é ou não a missão do filho de santo em questão iniciar seu próprio terreiro. Reservadas as distinções presentes entre Candomblé e Umbanda, ambas coadunam nesse processo evolutivo do médium para se chegar aos patamares de responsabilidades perante o sagrado. Ou seja, é preciso que este médium vivencie, estude e aprendam com seus mentores espirituais, com seus zeladores de santo e irmandade de terreiro para um dia chegar a um cargo-missão de ser um dirigente espiritual de terreiro.

Consequentemente, devido a várias influências, não existe um centro exatamente idêntico a outro (Prandi, 2004). Cada centro funciona de uma forma específica, sendo distintas as maneiras como, por exemplo, são realizadas a feitura de santo, os ebós, as festas e oferendas às divindades, as giras, dentre outros aspectos, uma vez que todos esses elementos se referem a um microssistema específico. As distinções existentes estão relacionadas com o processo de desenvolvimento dos médiuns do terreiro, fazendo com que alguns elementos do macrossistema sejam alterados ou adaptados em função das necessidades do microssistema.

O terreiro se compara a um microssistema social aonde se cria ou se reproduz regras de convívio entre as pessoas que dele faz parte, sendo a pessoa do santo ou não, e nesse espaço os espíritos e entidades sagradas como encantados e orixás se manifestam para dinamizar a ritualização dos cultos, prestar-lhes auxílios emocionais, curas e ou conforto.  Entretanto, muitas vezes, quando essa mediunidade se manifesta em outros microssistemas, ou ainda, quando ocorre em um momento descontextualizado, acaba gerando estranheza e desconforto em muitos adeptos.

Isto, quando o médium manifestante, traz consigo mau comportamento e faz mau uso dos seus dons mediúnicos num terreiro estável e equilibrado acaba por contrariar as regras ali presentes naquele espaço sagrado e desvirtuando a atenção dos demais perante ao seu mau comportamento ou desequilíbrio espiritual. A tendência é que se este no ato de humildade for passiva ao auxílio dos demais sua conduta com certeza será melhorada no sentido de voltar a ser equilibrado tanto emocional, como no espiritual.

A permanência no terreiro e a realização da feitura pode proporcionar uma mudança na forma de como o médium se relaciona em outros microssistemas, tais como a família, o trabalho, a escola, dentre outros microcontextos. Os preceitos religiosos que devem ser mantidos em equilíbrio e em disciplina pelo médium e essa conduta acaba por interferir diretamente nas mudanças percebidas, uma vez que o médium deixa de frequentar certos ambientes, aprende a se moldar frente as diversas ocasiões de transtornos, torna-se mais forte às adversidades e com isso melhorar no convívio social.

Para os médiuns, o período de reclusão para a feitura se mostra mais fácil de enfrentar quando comparado à realização dos preceitos em pleno convívio com a sociedade, em virtude dos preconceitos, discriminação, ofensas, insultos e manifestações de intolerância dos demais.

Logo, por mais que o desenvolvimento mediúnico e o convívio social possam acarretar algumas repercussões negativas na vida do sujeito, deve-se ressaltar que, quando o médium passa por um processo de desenvolvimento (nesse caso, biopsicológico), ele acaba por contribuir, por meio dos processos proximais, com o desenvolvimento de indivíduos pertencentes a outros microssistemas com os quais ele interage diretamente (Martins & Szymanski, 2004Martins, E. & Szymanski, H. (2004). A abordagem ecológica de Urie Bronfenbrenner em estudos com famílias. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 4(1), 63-77.).

Em suma, a preparação de iniciação do médium traz na sua vida mudanças de paradigmas, deixando para trás velhas práticas de comportamentais e assimilando novas vivências. Esse comportamento evolutivo trás estranheza à aqueles que convivem com mais proximidades do médium e que não se relaciona com a convivência do sagrado no terreiro. Não é exagero que dentro do terreiro se estabelece a reprodução de um laço de irmandade e fraterno, tal como existe no meio da família biológica e ao mesmo tempo a conservação da política do bom convívio e do respeito como existe no meio da sociedade. O terreiro é pôs um microssistema sócio-afetivo aonde se estabelece regras de comportamentos afetivos, fé e social.

Sendo, pôs, um microssistema social e uma instituição ao mesmo passo, dentro do espaço do terreiro há de se respeitar a hierarquia preexistente. Na umbanda ou no candomblé a hierarquia superior é exercida pelos zeladores centrais do santo que governa a casa, seguida pelas irmandades mais antigas da casa ou por suas funções assumidas ao longo dos anos.

Sem hierarquia não existe o culto. A hierarquia, ela serve para organizar, para determinar as tarefas dentro do espaço sagrado. A hierarquia é um dos preceitos mais importantes na casa de santo. Devemos ter respeito com os mais velhos de santo e aos zeladores maiores, sem falar além do respeito a todos da irmandade, se deve também ter respeito com as outras pessoas que não são do santo. A hierarquia não existe dentro do terreiro para humilhar, ou para diminuir ninguém. Ela existe para organizar o culto, para você saber diferenciar quem que é o Pai ou a Mãe de Santo do terreiro, quem são os Ogans, os auxiliares, quem são os irmãos mais velhos, os mais novos e assim sucessivamente. A hierarquia no terreiro existe para organizar a casa.

O iniciado deve “sujeitar-se” a regras e procedimentos rituais, a fim de que possa ir aprendendo não apenas em termos da aquisição de conhecimentos, mas também da possibilidade de manejar energias e aspectos que apenas o tempo e a realização de rituais orientados por membros mais experientes podem proporcionar.

Na umbanda ou em qualquer outra religião de matriz africana não existe pressa para se aprender com o sagrado. Tudo ocorre no seu devido tempo, assim como as comemorações. O terreiro frequentemente acaba indo na contramão do ritmo atual da vida, acelerado e hiperativo como vigente na sociedade capitalista, no qual se busca a melhor otimização do tempo, o que acaba sendo sinônimo para maximizar ganhos de produtividade e rendimentos.

Dessa forma, ao adentrar num terreiro de umbanda, o médium precisa deixar todas as suas preocupações e novidades do mundo do lado de fora, para entrar focado e preparado para aquilo que está por vir. Para impedir que os problemas e transtornos enfrentados no dia a dia comprometam a conexão com as divindades ou interfiram negativamente durante a incorporação, os médiuns costumam rezar, acender uma vela para o orixá, além de se submeterem a um banho de ervas para purificar o corpo. Todo esse cuidado é necessário, além de ser realizado por todos, geralmente o médium fica de preceito um dia antes sem contato sexual, sem comer carne vermelha no dia que incorporar, justamente porque no dia do culto o Orixá poderá se manifestar, o médium deve está preparado e mais puro para estabelecer ligação espiritual com o seu orixá.

Assim é o médium umbandista no ILEXPP!

 Registros do Culto de Iniciação de Médiuns no ILEXPP: