Correio Braziliense - 18/01/2013
» DANIELLA HICHE Membro do Comitê de Diversidade
Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e da
Comunidade Bahía do Brasil
O surgimento de novas formas de intolerância
religiosa no Brasil reabriu os baús que escondiam a opressão e a violência
cometidas contra os seguidores de tradições religiosas não reconhecidas outrora
pelo pensamento dominante de nossa sociedade.
A intolerância varia imensamente em suas formas e
manifestações. Assume as vestes da negação da capacidade ou do direito das
religiões de contribuírem para o pensamento e políticas públicas de interesse
coletivo — uma forma de intolerância sutil e refinada, praticada pelos mais
doutos e mascarada na defesa da laicidade do Estado. Passa pela necessidade
enfrentada por indivíduos e coletivos de remodelar suas crenças para atender as
aspirações de uma sociedade em evolução. E culmina com "neonismos" de
formas mais arcaicas e violentas — incluindo a difamação e a incitação ao ódio
—, diante de aparente despreparo psicológico coletivo para lidar com a
diversidade.
Tardia e timidamente, o Brasil começa a se dar conta
da pluralidade de suas matrizes religiosas. Contudo, a intolerância se
manifesta de novas formas, contrapondo esse ritmo lento assumido. É como se a
um adolescente se revelasse repentinamente quem são seus verdadeiros pais:
negação, crise e revolta, sendo-lhe ainda impossível — em sua imaturidade —
entender a riqueza e complexidade do mosaico de sua realidade.
Mas, diante de todas as dificuldades, o povo
brasileiro teima em acreditar. As tradições religiosas afro-brasileiras e
indígenas, por exemplo, continuam fazendo ecoar seu grito pelo reconhecimento.
Para além do respeito, seus seguidores querem ser tratados como protagonistas
na formulação do pensamento e da identidade da nação brasileira. As condições
desfavoráveis desde o colonialismo não as impediram de realizar sua ação
social, indicando a vitalidade e a força que essas — e outras — ditas minorias
religiosas oferecem ao nosso país.
Como em qualquer processo de amadurecimento, aqueles
que aspiram por uma sociedade alicerçada na prevalência dos direitos humanos
aprendem a fazê-lo com paciência histórica. Ainda que a promoção, a proteção e
a defesa dos direitos humanos no Brasil estejam aquém dos pré-requisitos para
que nossa sociedade possa extrair concomitantemente da ciência e da religião a
seiva para sua prosperidade e bem-estar, há avanços significativos.
A terceira edição do Plano Nacional de Direitos
Humanos contempla em suas ações programáticas mecanismos para o livre exercício
das diversas práticas religiosas, coibindo manifestações de intolerância, além
da realização de pesquisas populacionais para identificar as práticas
religiosas e não crenças, bem como o número de seus adeptos no Brasil. Também
reconhece a função da diversidade religiosa na disseminação da cultura de paz e
propõe que essa mesma diversidade seja contemplada nos currículos escolares,
como elemento da educação em direitos humanos.
Em novembro de 2011, deu-se início ao processo de
formação do Comitê Nacional de Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, composto, por ora, por religiosos e acadêmicos.
Sua principal atribuição é auxiliar o governo brasileiro na formulação e
execução de políticas que, para além de combater a intolerância religiosa,
fomentem a valorização do papel social das religiões no Brasil em meio à
riqueza de sua diversidade.
Segmentos da sociedade civil brasileira também vêm
aprendendo a trabalhar ombro a ombro com organizações religiosas. A antiquada
visão de que o papel social das religiões limita-se à caridade vem cedendo
lugar ao reconhecimento de que possuem uma função tanto colaborativa na
formulação do discurso público no que tange a saúde, a educação, a segurança
pública e o desenvolvimento nacional, como executora e disseminadora desse
discurso, tendo em conta a capilaridade no tecido social desses protagonistas.
A laicidade do Estado é um princípio basilar para a
garantia e valorização da diversidade religiosa, pois é capaz de
descaracterizar a hegemonia dominante que impede a própria afirmação desse
princípio.
O Brasil chega à fase adulta cobrando do Estado e de
seus cidadãos a maturidade de reconhecer a função social das religiões e a
verdadeira essência do lema "igualdade na diversidade". Aproveitemos
o 21 de janeiro, Dia Internacional das Religiões e Dia Nacional do Combate à
Intolerância Religiosa, para quebrar definitivamente os cadeados dos baús do
passado. Tomemos a opressão à diversidade religiosa praticada no passado como
lição, evitando assim o escalamento das novas formas de intolerância religiosa
e construindo um futuro de mais liberdade e respeito a todas as crenças.