Todo
crente é de certo modo um ateu, pois a afirmação da sua crença implica quase
sempre a negação de outras crenças e deuses; mais claramente: para ser cristão,
é preciso negar ou ignorar o islã, o judaísmo, o budismo, o hinduísmo, a
umbanda, o panteísmo, o zoroastrismo, etc. e vice-versa.
Ou
seja, para acreditar em Javé, por exemplo, é preciso desacreditar outros deuses
com a mesma autoridade ou dignidade: Zeus, Apolo, Amon, Crom, Thor, Odin, Baal,
Alá, Shiva, Bhrama, Vishnu, Ogum, Jaci e outros tantos. Por isso, o "meu
Deus" e a "minha religião" excluem, necessariamente, a crença, o
deus e a religião dos outros, pois só a "minha fé" e o "meu
Deus" são verdadeiros, tudo mais é falso.
Afinal,
a crença, a religião e o deus dos outros não passam de superstições, crendices,
coisas diabólicas, etc. Dizer que só existe um deus, o "meu Deus", é
tão insensato quanto dizer que só existe um idioma, o "meu idioma",
um país, o "meu país" etc., como se só "eu" existisse.
Somos
cristãos pelas mesmas razões que somos brasileiros e não franceses ou italianos
e, pois, falamos português e não francês ou italiano: somos herdeiros da
colonização e toda tradição de lutas, conquistas e violências que nos precedeu,
isto é, uma história de extermínio de povos, culturas, mitos, línguas,
religiões e deuses. Trata-se, portanto de algo acidental: se fossemos
colonizados pelos chineses, seríamos budistas e falaríamos chinês ou mandarim.
Se fossemos colonizados pelos árabes, seríamos muçulmanos e falaríamos árabe.
O
deus ou deuses de hoje são as mitologias e as fábulas de amanhã. Toda doutrina,
política, moral ou religiosa que pressupõe ou propõe unidade é falsa, tirânica,
má e contrária à natureza e à vida, pois a vida, e tudo a que se refere, é
múltipla, plural, diversa e em permanente mutação. É preciso presunção,
ingenuidade e intolerância para crer assim.
Em
geral toda forma de violência tem algum bom pretexto ou uma bela e sonora
metáfora. Em nome de Deus, por exemplo, foram cometidas as mais terríveis
violências: a noite de São Bartolomeu, o extermínio dos cátaros (ou
albigenses), as cruzadas, a inquisição, os massacres patrocinados por Moisés
(Êxodo, 32: 27 e 28) ou Josué (6:21) e seus atuais seguidores: Bin Laden, Bush,
entre outros.
O
cristianismo (o islã, etc.) depende do pecado e do pecador tal qual os
presídios, de presos, os cemitérios, de cadáveres, os senhores, de escravos. O
cristianismo (re) inventou o pecador (e o pecado) não para libertá-lo, mas para
escravizá-lo (a expressão "servo de deus" não existe por acaso) e
manipulá-lo; enfraquecê-lo, portanto e pretende ser a cura de uma doença por
ele criada: o pecado.
Se
cães e gatos pudessem representar seus deuses, certamente os representariam na
forma de cães e gatos, e com variações: um pastor na forma de um pastor etc.
(Xenófanes revisto). Também assim são os homens, que criam seus deuses à sua
imagem e semelhança, os quais variam no tempo e no espaço, inevitavelmente.
De
acordo com um crente, todos, à exceção daqueles que compartilham de sua fé,
estão no pecado e vão para o inferno ou algo assim. Há hoje tantas denominações
(algumas autênticas empresas comerciais) e doutrinas tão díspares e contraditórias
que já não temos certeza se o cristianismo é uma religião monoteísta e se ainda
se venera o Cristo ou o Dinheiro.
Se
Deus fosse julgado por um tribunal isento, seria fácil acusá-lo e difícil
absolvê-lo, porque, ou bem seria condenado por omissão: deixar que toda sorte
de injustiças, crimes e desastres aconteçam sem nada fazer, embora pudesse
fazê-lo e evitá-lo. Ou bem seria condenação por ação: se Ele é onipotente,
onipresente e onisciente, que tudo sabe, tudo pode e tudo vê, então todas as violências
e crimes são obra sua, e os homens são apenas joguetes ou instrumentos de sua
obra, boa ou má. Afinal, os homens atuariam segundo a sua calculada
programação, tal qual a morte de seu próprio filho: um homicídio doloso e
premeditado;
Erros,
decepções, traições, doenças e mortes, por mais que nos causem dor e
sofrimento, são inevitáveis e são, pois, a própria vida. Tal qual os animais e
plantas, nascemos, crescemos, adoecemos e morremos inevitavelmente. Como os
frutos de uma árvore, que precisam amadurecer, cair, apodrecer e soltar suas
sementes para que outras árvores e frutos germinem e frutifiquem, assim também
são os homens. Nascemos para a morte e morremos para a vida (Heráclito).
Convém, por isso, enfrentar a vida, e tudo de bom e ruim que ela implica, com
dignidade, galhardia e humor inclusive.
Um Deus que quisesse ser adorado e não apenas temido jamais nos tentaria ou corromperia com promessas ou prêmios (céu, vida eterna etc.) nem nos chantagearia com ameaças de morte, inferno etc. Nem tampouco incentivaria a subserviência, e, pois, a dissimulação, nem condenaria a crítica e a rebeldia necessárias. Um Deus assim não precisaria de servos.
Eu só acreditaria num Deus que não fosse tirânico, ciumento, mesquinho, injusto, cruel, vingativo, misógino, homofóbico e racista. Eu só acreditaria num Deus que fosse grande e justo e maduro e sábio o bastante para saber amar as pessoas como elas realmente são e não como Ele gostaria que elas fossem. Eu só acreditaria num Deus capaz de perceber o que há de grande e pequeno e divino em cada um de nós para além de todo preconceito. Um Deus, enfim, que tratasse judeus e palestinos, crentes e ateus, homens e mulheres, hetero- e homossexuais, prostituas e criminosos com a mesma dignidade, com o mesmo respeito. Afinal, ainda que tenhamos o dom de profetizar e conheçamos todos os mistérios e toda a ciência, ainda que tenhamos tamanha fé, a ponto de transportar os mostres, se não tivéssemos amor, nada seremos (Coríntios 1: 13);
Um Deus que quisesse ser adorado e não apenas temido jamais nos tentaria ou corromperia com promessas ou prêmios (céu, vida eterna etc.) nem nos chantagearia com ameaças de morte, inferno etc. Nem tampouco incentivaria a subserviência, e, pois, a dissimulação, nem condenaria a crítica e a rebeldia necessárias. Um Deus assim não precisaria de servos.
Eu só acreditaria num Deus que não fosse tirânico, ciumento, mesquinho, injusto, cruel, vingativo, misógino, homofóbico e racista. Eu só acreditaria num Deus que fosse grande e justo e maduro e sábio o bastante para saber amar as pessoas como elas realmente são e não como Ele gostaria que elas fossem. Eu só acreditaria num Deus capaz de perceber o que há de grande e pequeno e divino em cada um de nós para além de todo preconceito. Um Deus, enfim, que tratasse judeus e palestinos, crentes e ateus, homens e mulheres, hetero- e homossexuais, prostituas e criminosos com a mesma dignidade, com o mesmo respeito. Afinal, ainda que tenhamos o dom de profetizar e conheçamos todos os mistérios e toda a ciência, ainda que tenhamos tamanha fé, a ponto de transportar os mostres, se não tivéssemos amor, nada seremos (Coríntios 1: 13);
A
distinção entre os atos bons e maus, entre os atos de deus e do demônio, e,
portanto, a distinção entre deuses e demônios, não preexiste à interpretação,
mas é dela resultado. Jesus
tinha razão: o reino de Deus - e também do demônio, pois são o verso e reverso
de uma mesma moeda, tal qual alto e baixo, direita e esquerda, bem e mal,
motivo pelo qual um não existe sem o outro - está dentro de nós (Lucas, 17:21).
Para Nietzsche também não existem fenômenos religiosos, mas apenas uma
interpretação religiosa dos fenômenos! (Via Paulo Queiroz).
Por Josef Anton
Daubmeier
Edição Blog do Pessoa