Ela curava com a força dos seus pensamentos. Foi o que soubemos. Nunca fui crédulo quanto a essas coisas. Em verdade, fui criado à margem de qualquer religião. Dizíamos ser católicos, embora, com exceção esporádica da minha mãe, pouco praticássemos. Fui obrigado a dobrar minhas convicções diante daquele quadro. Meu irmão, único, um ano mais jovem, e muito querido, sofria de uma doença rara. Em sua pele, sob a região dos braços, abriram-se feridas que não se fechavam nunca. Meus pais entraram Tentamos todos os médicos e tratamentos convencionais. Nada dava resultado. A ferida, por vezes, parecia retroceder a um tratamento ou outro, depois retornava. Meu irmão, na casa dos vinte anos era uma tristeza. Sua amargura abateu-se sobre nossa família. O canário que meu pai criava parou de cantar desde que aquela doença surgira. Ficamos, então, através de uma amiga próxima a práticas místicas, da existência daquela mulher: - Ela tem feito milagres. Logo imaginamos uma multidão de desesperados, pessoas pedindo à sua porta, uma sacola correndo por todos e as moedas se multiplicando. Recusamos a idéia. Nossa amiga tentava desfazer-nos a má impressão. - Não é nada do que pensam. Primeiro precisamos marcar uma consulta por email. Ela analisa e convida à sua casa, em hora e dia marcados. Meu irmão, diante do desespero, perguntou: - Quanto nos custará? - Ela não cobra nada. Se merecerem a consulta, ela irá chamar. Não pudemos resistir às lágrimas que ele fez brotar. Contrariados, enviamos o tal email. - Talvez a resposta demore, disse a amiga. Não demorou. Dois dias depois ela nos confirmou que nos atenderia em determinado endereço, em um bairro nobre da cidade. - A curandeira já está rica, disse-me meu pai. Pensamos em nosso irmão e na decepção que seria mais aquela tentativa furada. Resolvemos levá-lo. Nada tínhamos a perder. Os médicos não apresentavam, depois de quase oito meses de sofrimento, nenhuma esperança. No dia marcado minha mãe não quis nos acompanhar, preferia não trair seus ideais e rezaria para Nossa Senhora enquanto visitávamos a “milagreira”. Meu irmão acordou bem disposto e possuía um brilho nos olhos. Meu pai e eu estávamos céticos. O carro seguiu por luxuosa Alameda, ornada por palmeiras imperiais, antes que chegássemos ao portão de entrada. Era uma mansão. Desci do veículo e toquei o interfone. Uma mulher atendeu. Disse que tínhamos uma consulta em nome do meu irmão. Mandou que entrássemos. O portão se abriu e atravessamos um lindo e extenso jardim, estacionando diante de uma residência térrea, porém ampla e moderna. Descemos do carro. Uma jovem aparentando 23 anos nos recepcionou. Era linda, com vivos olhos azuis e cabelos castanhos e curtos, cortados na linha dos ombros. Vestia uma túnica azul claro, que lhe caía muito bem. Tinha um sorriso confiável e acolhedor. Era de pequena estatura e de corpo bem feito. Pele levemente morena. Lábios finos e sobrancelhas trabalhadas. Dirigiu-se ao meu pai estendendo-lhe a mão: - Sou Melissa, sejam bem-vindos. Não acreditávamos. Esperávamos uma mulher velha, com turbante, verruga no nariz, olheiras, um hálito de onça e vestes extravagantes. Aquela jovem parecia uma fada. - Por favor, me acompanhem. Seguiu pelo jardim. Fomos até um aposento anexo - que não tínhamos visto; um tanto aos fundos, na forma de um pequeno templo com cobertura transparente na forma de pirâmide. Não possuía qualquer símbolo ou sinal. Era completamente despojado. No interior uma mesa de madeira com três cadeiras e alguns bancos em volta, encostados em cada parede. A única iluminação vinha da cobertura de vidro. Era agradável e senti uma energia boa. As paredes eram brancas, sem nenhum objeto ou imagem. A luz espalhava-se de modo uniforme, sem conseguir atingir diretamente a mesa, mas causando um efeito distributivo interessante. Ela fez com que meu irmão se sentasse em uma das cadeiras. Pediu que meu pai e eu nos acomodássemos em bancos laterais. Meu irmão tinha os braços sustentados a noventa graus do tronco, por um aparelho, para que as feridas não tocassem no corpo. Panos largos envolviam os braços para que insetos não pousassem. - Quer que eu retire os panos? – perguntei. - Não precisa, ela disse, acomodando-se em frente a meu irmão. Continuou afirmando, sempre sorridente, que faria uma oração silenciosa e que a cura dependeria da aprovação dos planos superiores. Achei que seria perda de tempo. Ela fechou os olhos. Sentou-se com as mãos sobre os joelhos. Meu irmão acompanhou-a. Percebi, talvez por mudança na posição do sol ou efeito da passagem de alguma nuvem, que a moça transfigurava levemente. Seu rosto pareceu brilhar e iluminar-se. Ficou por cerca de vinte minutos em completo silêncio. Eu já não suportava mais. Meu pai permanecia calado. Mãos para o alto sobre as coxas, como se rezasse. Eu aguardava aflito. Em um determinado momento ela abriu os olhos. Emitiu um largo sorriso e me mandou remover os panos. Fiz com grande constrangimento, temia pela reação e decepção do meu irmão. Ele parecia feliz e confiante. Ao remover a proteção do braço direito quase tive um ataque. Ele se encontrava limpo, perfeito, sem qualquer sinal das feridas. Encarei meu pai. - Lágrimas brotaram dos seus olhos. Meu irmão também chorava e eu não resisti. Removi rapidamente os panos do outro braço e ajudei-o a remover a estrutura de alumínio. Ele se levantou e me abraçou. Tivemos que levantar meu pai que tremia com tamanha emoção. Ficamos um tempo os três juntos e nos lembramos da jovem. Ela permanecia sentada, nos encarando, sorrindo amistosamente. Partimos em sua direção e agradecíamos com entusiasmo. Meu pai queria recompensar de qualquer forma, ela disse que não precisava, pediu que aguardássemos por um momento e saiu. Ficamos examinando meu irmão e sorrindo. Em pouco tempo entrou uma senhora muito distinta. Não portava o mesmo sorriso da moça. - Vem coisa aí, pensei. Pediu que sentássemos. Apresentou-se como mãe da jovem. Pediu que guardássemos segredo absoluto e que jamais déssemos o endereço para qualquer outra pessoa. Se quiséssemos ajudar alguém era só repassar o email, mas teria que ser para alguém que realmente necessitasse. Nada nos seria cobrado. Explicou-nos que a família temia que as “qualidades” de Melissa se espalhassem e que ela fosse impedida de ter uma vida normal. Daquela forma que escolheram para agir, ela poderia ter controle sobre a sua vida e não se recusaria a realizar o que chamava de missão. A única coisa que exigira era isso: nossa discrição e silêncio. Cumprimos com nossa parte, é claro. Fomos embora querendo nos despedir da jovem. A mãe disse que não seria necessário. Ela se encontrava cansada e precisava refaz-se. Afirmou que, a doença de meu irmão, e a própria cura, deveria atender a um propósito. Ainda não compreendo qual seria, mas no dia seguinte nosso canário voltou a cantar... (O autor avisa que se trata de uma obra de ficção, qualquer semelhança com fatos e pessoas reais terá sido mera coincidência e que as crenças e opiniões manifestas podem não pertencer ao mesmo). | ||||||||||
Jurandir Araguaia |
A Associação Ponto de Cultura ILEXPP ou simplesmente Ilê Axé Xangô da Pedra Preta com a sigla Ponto de Cultura ILEXPP é uma instituição cultural afro-brasileira que tem por finalidade primordial promover a Igualdade e o respeito por meio da valorização da cultura e do conhecimento enfatizando os processos educativos capazes de resgatar a cidadania e transformação social no âmbito de sua atuação na preservação da cultura e religiosidade de matriz africana e das culturas populares.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
A Curandeira
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